segunda-feira, 16 de outubro de 2017



Sobre Jacinto do Prado Coelho, num artigo do Centro Virtual Camões :

..." no capítulo de Ao Contrário de Penélope, intitulado “Como Ensinar Literatura”, desenvolve um pensamento que não deixa lugar a dúvidas quanto à sua conceção de literatura e ao modo como sempre encarou a sua responsabilidade docente: “Ler colectivamente (em diálogo com a obra literária, em diálogo de leitor com outros leitores) é, com efeito, além de prazer estético, um modo apaixonante de conhecimento [...] Não há, suponho, disciplina mais formativa que a do ensino da literatura [...] Saber idiomático, experiência prática e vital, sensibilidade, gosto, capacidade de ver, fantasia, espírito crítico – a tudo isto faz apelo a obra literária, tudo isto o seu estudo mobiliza. [...] A literatura não se faz para ensinar: é a reflexão sobre a literatura que nos ensina”. Elucidativos excertos que vêm coroar conceitos e práticas desenvolvidas durante toda uma vida.

Apesar de o sec. XX ter sido atravessado por inúmeras controvérsias acerca da literatura e das metodologias mais convenientes ao seu estudo, de posse desse conhecimento, J.P.C. manteve princípos e conceitos que orientaram o seu trabalho: a literatura como produção estética em forma de linguagem (sem que isso implicasse aderir a meros formalismos); a literatura como organismo desenvolvido em sistemas - os géneros, por exemplo - sem que isso implicasse a redução da leitura a esquemas sistemáticos; a possibilidade de múltiplas aproximações à literatura e portanto a aceitação de metodologias diversas não exclusivas.

Classificava a sua leitura crítica do texto literário como “leitura imanente” (termo comum no sec. XX em teorias advogadas quer pela Estilística, quer pelo, assim designado, New Criticism, quer pelo Formalismo Russo) o que correspondia a uma consideração da obra literária enquanto tal, e não enquanto documento social ou biográfico, embora considerasse que o conhecimento do autor, da sua biografia, do seu enquadramento cultural, ajudava a essa leitura. Na apreciação e análise dos textos literários reconhecia (como quase inevitável) a qualidade de constituirem um todo coerente e uno. A propósito de Fernando Pessoa, por exemplo, afirmava no prefácio que antecede o estudo que lhe dedicou: “a própria diversidade [...] vale como expressão dramática de identidade”.[...] “expressão dramática” é já em si uma forma de expressão, implica uma representação cénica, a certeza de que a expressão literária (ou poesia) não existe senão em forma de”. Por outras palavras, a coerência e unidade da obra com valor estético não se opõe a uma ambiguidade e fluidez significativa. Ou ainda, a complexidade da literatura é inerente à sua própria condição estética de ser linguagem; sem que, no entanto, essa condição obrigue a um absoluto caráter intransitivo da literatura – o seu ensimesmamento – ou se torne o caminho para uma leitura desconstrutiva que o seu tempo não chegou a conhecer como prática metodológica.

Situado metodologicamente entre a História Literária, tal como o Romantismo e sucedâneos do fim do sec. XIX e primeira metade do sec. XX a foram entendendo, e a reação a essa metodologia, corporizada em todas as teorias do sec. XX que enfatizavam o estudo da literatura em si, J.P.C. esclareceu, mais do que uma vez, mas claramente em ensaio sobremaneira dedicado ao assunto, a importância que dava à questão e o modo como a entendia. Corrigiu qualquer apreço por um biografismo feito de petits faits, bem assim como a utilização pura e simples da literatura como documento de época ou autor. No entanto nunca desligou o conhecimento da literatura do conhecimento da história que a enquadrava.

Interrogando-se sobre a “actualidade” de um poeta do passado – no caso exemplar Camões – admite que a sua qualidade estética lhe permite ascender ao estatuto de ser temporal e intemporal. Digamos que a questão envolve dois atores principais: o autor- texto na sua qualidade estética e o leitor como recetor atual que recria o que recebe. Esta consideração dialogal (no ser bifronte que é a literatura, segundo o seu ponto de vista) levou-o a enquadrar progressivamente a atividade da leitura na perspetiva de uma estética da receção, o que metodologicamente foi colher aos estudos de receção da Escola alemã de Constança, nomeadamente aos trabalhos de Hans Robert Jauss. Esta conceção metodológica levou-o a sublinhar progressivamente a questão do leitor e da leitura ao ponto de ter organizado durante alguns anos um projeto sob o signo da sociologia da literatura (cf. Problemática da Leitura – aspetos sociológicos e pedagógicos).

A última recolha de ensaios, publicada sob o título Camões e Pessoa, Poetas da Utopia, é bem reveladora da atenção que deu aos trabalhos de Jauss, sem contudo aplicar ipsis verbis a sua metodologia. Neste livro, recolha de ensaios vários sob o signo de dois poetas maiores da Literatura Portuguesa, J.P.C. assume a utopia como “categoria mental” e aposta no futuro da literatura tanto quanto nos valores do seu passado. “A literatura é o espaço da utopia” diz, e continua, “Com efeito tal como a utopia, o lugar da poesia ou da ficção é o lugar inexistente em que, de modo implícito ou direto, o lugar-aqui se projeta”...

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