sábado, 10 de fevereiro de 2018

Sobre os Heterónimos de F. Pessoa-Para o Exame Nacional!!!!!!!!!!!!!1
























IIª PARTE









Heterónimos e Semi-heterónimos
Álvaro de Campos
Ver artigo principal: Álvaro de Campos
TABACARIANão sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.Janelas do meu quarto,Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é(E se soubessem quem é, o que saberiam?),Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada._____________________________________________________
Álvaro de Campos: "Tabacaria" (excerto)


Entre todos os heterónimos, Álvaro de Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo.

Começa a sua trajetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Álvaro de Campos é revoltado e crítico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical. Nesta época escreveu as "Odes", publicadas na revista Orpheu, em 1915, e o "Ultimatum", publicado na revista Portugal Futurista, em 1917.

Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa no poema "Tabacaria", considerado um dos mais conhecidos e influentes poemas da língua portuguesa.
Ricardo Reis
Ver artigo principal: Ricardo Reis

O heterónimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estoicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã.

Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte.

Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heterónimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterónimo, sobrevivente ao criador.
Alberto Caeiro
Ver artigo principal: Alberto Caeiro

Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterónimos (pelo ortónimo). Depois da morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos e morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma "não-filosofia". Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologiapara a vida.

Os escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterónimos, "Pessoa-ele-mesmo", Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heterónimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico, enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-lo ao deus , e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões advém da explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:

"Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça, Caeiro teve essa força."

Dos principais heterónimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.

Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário resume-se no verso Há metafísica bastante em não pensar em nada. A sua obra está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.
Bernardo Soares
Ver artigo principal: Bernardo Soares

Bernardo Soares é, dentro da ficção de seu próprio Livro do Desassossego, um simples ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Conheceu Fernando Pessoa numa pequena casa de pasto frequentada por ambos. Foi aí que Bernardo deu a ler a Fernando seu livro, que, mesmo escrito em forma de fragmentos, é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX.[25]

Bernardo Soares é muitas vezes considerado um semi-heterónimo porque, como seu próprio criador explica:

"Não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade."

A instância da ficção que se desenvolve no livro é insignificante, porque trata-se de uma "autobiografia sem factos", como o próprio Fernando Pessoa situa o livro. Dessa forma, o que interessa em sua prosa fragmentária é a dramaticidade das reflexões humanas que vêm à tona na insistência de uma escrita que se reconhece inviável, inútil e imperfeita, à beira do tédio, do trágico e da indiferença estética. O facto de Fernando Pessoa considerar (em cartas e anotações pessoais) Bernardo Soares um semi-heterónimo faz pensar na maior proximidade de temperamento entre Pessoa e Soares. Nesse sentido, para alguns, o jogo heteronímico ganha em complexidade e Pessoa logra o êxito da construção de si mesmo como o mais instigante mito literário português na Modernidade.
Visões sobre política

Entre fevereiro e outubro de 1935, último ano de sua vida, Fernando Pessoa produziu uma série de escritos políticos, vários deles contra Salazar e o Estado Novo, e dois textos sobre a invasão da Abissínia (atual Etiópia) pela Itália fascista, que a censura salazarista não deixou passar. Nessa produção, em que Pessoa se define claramente como um opositor não só do salazarismo, como também do fascismo, incluem-se, entre outros, o artigo "Associações secretas", em defesa da Maçonaria, além de numerosos fragmentos deixados inéditos pelo autor, relacionados com a polêmica que o artigo gerou na imprensa; uma dúzia de poemas satíricos contra Salazar e o Estado Novo; diversos textos e poemas anticatólicos, nos quais criticava a crescente influência da Igreja na política portuguesa; um longo artigo crítico sobre o próprio Salazar, em francês; uma carta ao presidente da República, Óscar Carmona, protestando contra o governo; uma crítica contundente a um discurso de cunho totalitário, proferido pelo ministro da Justiça, Manuel Rodrigues, e outros textos que mostram o crescente empenho político de Pessoa, no fim da vida, em defesa da liberdade e da dignidade humanas, que ele julgava então ameaçadas, tanto em Portugal como no resto do mundo.[26]
Visões sobre religião
Gnosticismo

Em uma nota biográfica datilografada em 30 de março de 1935, Pessoa declara ser um "Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria". Ali também declara ser um iniciado "nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal".[27]
Neopaganismo

Em texto de 1917, Pessoa esclarece sua visão do neopaganismo: "Eu sou um pagão decadente, do tempo do outono da Beleza; do sonolecer [?] da limpidez antiga, místico intelectual da raça triste dos neoplatónicosda Alexandria. Como eles creio, e absolutamente creio, nos Deuses, na sua agência e na sua existência real e materialmente superior. Como eles creio nos semi-deuses, os homens que o esforço e a (...) ergueram ao sólio dos imortais; porque, como disse Píndaro, «a raça dos deuses e dos homens é uma só». Como eles creio que acima de tudo, pessoa impassível, causa imóvel e convicta [?], paira o Destino, superior ao bem e ao mal, estranho à Beleza e à Fealdade, além da Verdade e da Mentira. Mas não creio que entre o Destino e os Deuses haja só o oceano turvo [...] o céu mudo da Noite eterna. Creio, como os neoplatónicos, no Intermediário Intelectual, Logos na linguagem dos filósofos, Cristo (depois) na mitologia cristã."[28]

Os principais heterónimos de Fernando Pessoa - Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos - são diretamente ligados ao neopaganismo. Álvaro de Campos, em notas publicadas em 1931 na revista Presença, nº 30, escreve: "O meu mestre Caeiro não era pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o António Mora é um pagão, eu sou um pagão, o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro."[29]

Em texto acerca de sua heteronímia, escrito provavelmente em 1930, Pessoa explica:"Este Alberto Caeiro teve dois discípulos e um continuador filosófico. Os dois discípulos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, seguiram caminhos diferentes; tendo o primeiro intensificado e tornado artisticamente ortodoxo o paganismo descoberto por Caeiro, e o segundo, baseando-se em outra parte da obra de Caeiro, desenvolvido um sistema inteiramente diferente, e baseado inteiramente nas sensações. O continuador filosófico, António Mora (os nomes são inevitáveis, tão impostos de fora como as personalidades), tem um ou dois livros a escrever, onde provará completamente a verdade, metafísica e prática, do paganismo. Um segundo filósofo desta escola pagã, cujo nome, porém, ainda não apareceu na minha visão ou audição interior, dará uma defesa do paganismo baseada, inteiramente, em outros argumentos. (...)
Pensei, primeiro, em publicar anonimamente, em relação a mim, estas obras, e, por exemplo, estabelecer um neopaganismo português, com vários autores, todos diferentes, a colaborar nele e a dilatá-lo. Mas, sobre ser pequeno demais o meio intelectual português, para que (mesmo sem confidências) a máscara se pudesse manter, era inútil o esforço mental preciso para mantê-la."[30]
Ocultismo

Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de Fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gémeos).[31] Realizou mais de mil horóscopos.

Apreciava também muito o trabalho de Helena Blavatsky tendo inclusive traduzido, em 1916, A Voz do Silêncio, assim como lhe suscitava muita curiosidade o famoso ocultista Aleister Crowley, tendo-lhe traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, lendo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos de astrologia impressionaram Crowley e, como este gostava de viagens, foi a Portugal conhecer o poeta.[32] Acompanhou-o a maga alemã Hanni Larissa Jaeger.[33] O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Inglês ter simulado o seu suicídio na Boca do Inferno, o que atraiu várias polícias Europeias e a atenção da mídia da época. Pessoa estaria dentro da encenação, tendo combinado com Crowley a notificação dos jornais e a redacção de um "romance policiário" cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito várias dezenas de páginas, essa obra de ficção nunca foi concretizada.[34]

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